“DSM IV: O “Mr Donald s” da
Psiquiatria”
( ou O SINTOMA : A GLOBALIZAÇÃO, A
PSIQUIATRIA E A PSICANÁLISE)
Antônio Beneti
1) COMO SE PSIQUIATRIZA HOJE?
Talvez pudéssemos responder, sem
grandes margens de erro – malgrado uma ênfase caricatural colocada nesse texto,
da realidade da assistência psiquiátrica hoje – que para os psicóticos dão-se
butirofenonas e fenotiazínicos; para os deprimidos dão-se antidepressivos e,
para os ansiosos e/ou fóbicos dão-se ansiolíticos e/ou antidepressivos, mesmo
com algumas variáveis nos três grupos farmacológicos.
Pronto! Tratamos tudo.
2) COMO SE PSIQUIATRIZAVA ANTIGAMENTE?
Não tão velho
assim lembro-me bem de que há pelo menos 25 anos as coisas aí eram diferentes.
Lembro-me bem das entrevistas e exames dos pacientes nas enfermarias quando meu
preceptor do curso de especialização em psiquiatria dedicava-se à clínica diferencial entre paranóia e
parafrenia, entre hebrefenia e debilidade mental, entre histeria e
esquizofrenia, entre depressão neurótica e depressão psicótica, entre
melancolia e depressão psicótica, entre depressão reativa e depressão num
quadro orgânico, etc..
Debruçava-me
então, sobre os grandes tratados de psiquiatria de Bleuler, Kraepelin, Kurt
Schneider, Kretschmer, Karl Jaspers, Henri Ey, etc.
As entidades
clínicas eram minuciosas e criteriosamente diagnosticadas à partir de toda uma
referência à psicopatologia fenomenólogica. No Brasil, seguramente na formação
do psiquiatra a escola alemã de psiquiatria é predominante.
Então, escutemos bem: o significante diferencial – diferença – dava o prumo, vetorizava
toda uma orientação clínica quanto ao diagnóstico e a terapêutica. Na época, jamais uma depressão neurótica era
tratada com eletrochoque ou antidepressivos. A orientação era: “para os
neuróticos ansiosos ou deprimidos, em crise ou não a indicação é psicoterapia.
Só em situações extremamente graves vocês dêem ansiolíticos”.
Ou seja, para
os neuróticos a proposta era de uma experiência de tratamento pela palavra.
Não importava, no caso, se era uma orientação analítica ou não. Privilegiava-se
a palavra, sabia-se que as coisas teriam que partir daí e se decidirem nesse
campo. Estava em jogo a história de cada um.
Havia algo
mais além do biológico, de um corpo doente ou doente-corpo a ser investigado ao
nível de seus sintomas e a se ter como ponto de aplicação: buscava-se escutar
algo de relação do paciente com sua família, com os amigos, com o Social...
Tinha uma história em jogo mais além dos sintomas observáveis pelo relato ou,
evidenciáveis ao olhar, na atitude e comportamento do paciente. Antecipemos
aqui o que não sabíamos então: o sujeito
do inconsciente no doente.
Poderíamos dizer
de uma clínica da escuta do singular,
no que se refere a esse sujeito, numa clínica
do olhar?
Passando pelos clássicos da psiquiatria francesa e alemã
teremos o estabelecimento de uma clínica psiquiátrica que encontrará como sua
herdeira a clínica psicanalítica.
Onde tivemos
então, nesse percurso uma clínica do particular onde se deu a passagem das
síndromes, das “fachadas psíquicas” para as entidades nosológicas. O que temos
hoje na clínica psiquiátrica?
Voltemos ao nosso primeiro ítem:
“Como se psiquiatriza hoje?”
Teríamos hoje
um desaparecimento da clínica psiquiátrica com a exclusão da dimensão do enigma
dos fenômenos clínicos, das particularidades de cada doente e o desaparecimento
das entidades clínicas em prol de síndromes chamadas “transtornos” ?
Torna-se
necessário tornarmos como paradigma da psiquiatria de hoje a dita psiquiatria
biológica.
3) A psiquiatria biológica, os
psicofármacos e o DSM-IV.
O DSM IV, guia/código de
classificação das doenças no campo da psiquiatria, estabelecido pelos
norte-americanos, pela psiquiatria dos E.U.A é o paradigma, no campo “psi” do
que chamamos globalização, a “bússola”dos psiquiatras ditos “biológicos”.
Com o advento dos psicofármacos e os recentes avanços da neuroquímica
cerebral o discurso da ciência estrutura e sustenta solidamente a prática
psiquiátrica hoje. E com o DSM-IV,
um catálogo de sintomas e síndromes
ditos estados e/ou transtornos agudos ou crônicos
pretensamente universais, de uso universalizado, transforma o paciente num
objeto totalmente qualificável e mensurável suporte de próteses químicas
corretivas, ortopédicas, quando algum “defeito” se apresenta visível ao nível
de sua aparência ou comportamento, movimentação, diante dos outros. Aí qualquer
simples consideração da função de tais estados da neurose e na psicose não encontra
lugar. O “deprimido” tal qual um
triste “borderline” vem por sua vez
confortar a ilusão de uma comunidade de sujeitos agrupados por um mesmo sintoma
eliminadas todas considerações relativas à etiologia, endógena ou exógena,
reativa ou não ( S. Cottet – “A bela inércia”- in Transcrição – Rev. da Clínica Freudiana – Bahia)
Assim, nesse discurso, o psiquiatra, na posição de agente, representado
pelos psicofármacos, aí colocados enquanto um “Saber-pronto-para-uso” a ser aplicado sobre o outro, o paciente,
enquanto “objeto-corpo-biológico” forclui totalmente a palavra, a fala, e consequentemente a
possibilidade de emergência dos significantes que representam o sujeito do
inconsciente, na singularidade de cada um e consequentemente qualquer clínica
diferencial não quantitativa.
Psicofármacos paciente
S2 a
Longe de ir
contra os avanços da neuroquímica cerebral e o conseqüente uso de psicofármacos
em determinadas situações o interessa aqui, enquanto algo a ser criticado, é a
posição do psiquiatra diante da fala do paciente, com total exclusão do sujeito
do inconsciente. Ou seja, seria a mesma coisa um paciente deprimido ser
medicado por um psiquiatra sem escuta analítica ou por um psiquiatra com escuta
analítica?
É nesse contexto que a depressão neurótica e psicótica tidas
classicamente como entidades clínicas distintas perdem esse estatuto em prol de
síndromes classificadas enquanto estados ou transtornos do humor, depressivos,
mensuráveis por sua intensidade e duração. Não interessa a origem das mesmas.
Se para o psicanalista a depressão não se constitui enquanto uma estrutura
clínica isolada e ( nem um estado) sim numa posição do sujeito na sua relação
com o Outro isto não o exime de buscar em cada um os acontecimentos que
determinaram esse mal estar e sofrimento seja na estrutura neurótica ou na
psicótica. E , sempre encontrará algo determinante sempre inserido na história
do sujeito em sua relação com o Outro do significante e da Lei. Ou seja, no
universal da depressão torna-se
necessário incluir aí um “menos um”
da singularidade, da particularidade da história de cada sujeito ( vale o mesmo
para as impotências eretivas penianas( as impotências sexuais masculinas) onde
a ciência alardeia agora a cura “para-todos-os-casos” com o Viagra( medicamento recém lançado nos
EUA)).
(U)
Universal
Matema da psiquiatria biológica
Matema
da globalização e da globalização do sintoma(DSM IV)
Não é o que ocorre na psiquiatria hoje.
Verdadeiro ”esperanto”
psiquiátrico a linguagem psiquiátrica biológica universaliza os deprimidos de
quaisquer nomes, raças, credos,territórios e contextos. Dentro de um “não-quero-saber-nada-além-de-um-quantum-depressivo”
o psiquiatra biológico consulta seu catálogo e se guia na sua receita cuidando
para “não errar a mão no tempero” de tal forma que o “sabor” seja reconhecido
em qualquer lugar do planeta terra por todos e por qualquer um tal como um
sanduíche “Mc. Donald’s “capitalista
ou comunista, dos EUA ou da Rússia. Tanto faz! É a mesma droga em todos os
lugares!
Mas,
esquecem-se esses aficcionados, que alguém pode preferir o sanduíche “fora- de-
série” do botequim da esquina feito sem receita universal, “com o tempero do
cliente”que participa com sua fala na elaboração do mesmo.
Oriundos da formação psiquiátrica clássica e com orientação
psicanalítica a partir do ensino de Lacan não se pode esquecer ou forcluir um
princípio básico do que se resolveu chamar “Moral lacaniana”: “tem um sujeito no doente! “.
O que poderia determinar, se levado em consideração , por alguns
psiquiatras o esforço de construção de “uma
outra clínica psiquiátrica” calcada nesse princípio ético que a moral
lacaniana aponta e onde teríamos o matema da clínica a norteá-la:
(
U-1)
Matema
da clínica
Matema da clínica psicanalítica
Por outro lado, é com esse matema
norteador da clínica psicanalítica que o psicanalista deverá se sustentar no
seu discurso em oposição ao discurso da
globalização, aqui, do sintoma, e que pretende escrever o
sintoma, ao mesmo tempo designado o
sujeito, com apenas um significante: um S1.
Ou seja, o sujeito passa a ser designado – e , não mais representado por um significante – pelo significante do seu sintoma.
Assim, teríamos no discurso da
globalização um: “você é deprimido!”, “você é anorética!”, “você é
toxicômano!”, “você é impotente...””você
é um S1”.
Ao que o psicanalista deveria responder
com o seu matema desdobrando o –1( menos um) no matema correspondente à
posição do sujeito em relação à falta no campo do Outro, à castração, visando a
determinação da estrutura( neurótica, psicótica ou perversa) recoberta pelo S1.
Teríamos, então, por exemplo, a Síndrome do pânico:
Síndrome do Pânico= U= Universal = sintoma globalizado =S1
Menos Um= -1= singular = sujeito nas
estruturas = obsessivo, histérico, perverso, fóbico ou psicótico = fantasma (
S a) ou Oo.