quinta-feira, 4 de setembro de 2014

DISCIPLINA PENSAMENTO E LINGUAGEM - LEV VYGOTSKY




LEV VYGOTSKY (1896-1934)
Resumo do filme - Marta Kohl de Oliveira


DISCIPLINA PENSAMENTO E LINGUAGEM
Profª MSc Roseli Maria Rodella de Oliveira
rrodella@gmail.com
LEV VYGOTSKY (1896-1934)
Resumo do filme - Marta Kohl de Oliveira
I.       Dados Biográficos:
- Trabalhou com Leontiev e Luria;
- Autor fundamental para os estudos da Psicologia da Educação.
II.       Idéias fundamentais:
1.            Planos genéticos do desenvolvimento – quer dizer que o funcionamento psicológico não é inato, não esta pronto previamente, mas também não é recebido do meio ambiente como um pacote pronto. Teoria interacionista – que leva em conta coisas que vem de dentro do sujeito e do ambiente.
Para o autor são 4 entradas de desenvolvimento que juntas caracterizariam o funcionamento psicológico do ser humano:
a) Filogênese - Historia da espécie. Esta história da espécie define limites e possibilidades de funcionamento psicológico. Na espécie humana temos uma característica fundamental que é a plasticidade do cérebro (nossa espécie é a menos pronta ao nascer e, por isso, depende também do ambiente);
b) Ontogênese – História do indivíduo da espécie, do ser. O membro individual tem um caminho de desenvolvimento;
Como na filogênese, a ontogênese, também é de natureza muito biológica, diz respeito à pertinência do homem à espécie e por ser membro dessa espécie passa por certa sequência de desenvolvimento;
c) Sociogênese - Historia cultural onde o sujeito esta inserido. Ou seja, as formas de funcionamento cultural que interferem no funcionamento psicológico do indivíduo;
d) Microgênese Um aspecto mais microscópio do desenvolvimento. Cada fenômeno psicológico tem sua própria história, com foco bem definido (micro).
A microgênese é a porta aberta dentro da teoria para o não determinismo. Aparece então a possibilidade da construção da singularidade porque ninguém tem uma história igual ao do outro. Tem fatos diferenciados na vida de cada um que irão definir a singularidade do sujeito.
2.   Mediação Simbólica
A invenção e o uso de signos é análogo a invenção do uso de instrumentos, só que agora no campo psicológico.
Mediação = intermediação (uma coisa interposta entre uma coisa e outra).
A idéia de Vygotisky é que a relação entre o homem e o mundo é uma relação mediada, não é direta. A mediação pode ser feita através de instrumentos e de signos.
*      Instrumentos (ferramentas – uso faca para cortar o pão). A mediação é concreta;
*      Signos - formas de mediação – simbólicos (semiótica) entre o sujeito e o objeto de conhecimento, entre o psiquismo e o mundo, o eu e o mundo, de uma forma que não é concreta, mas simbólica.
Planos que aparecem os signos:
a)    Há uma primeira forma de signos que ainda tem uma existência concreta (banheiro masculino e feminino - chapéu e sombrinha - signos que representam a idéia de masculino e feminino e todos compartilham dessa Ideia), Esta marcado no mundo fora de mim, mas não é de natureza instrumental, age num plano simbólico;
b)    Plano totalmente simbólico: totalmente simbólicos e internalizados. Fazem a intermediação entre minha pessoa e o mundo. As coisas são postas para dentro dos sistemas psicológicos da gente. Funcionam como mediadores semióticos, simbólicos, dentro do nosso sistema psicológico. Por isso, uma característica humana, a possibilidade de representação mental, de transitar por um mundo que é só simbólico. Ex: Mesa – não me relaciono com ela somente pela via perceptual, mas também vejo aquele objeto e me remete a uma coisa que esta dentro da minha cabeça que é o conceito, a idéia, a palavra, a imagem de mesa. Tem umas coisas que estão dentro de mim que não é o próprio mundo, mas suas representações.

Possibilidade de representação mental
                                    
                    Conceito/Ideia/palavra = na mente
                                                                                              Humano
Relação com o mundo:
a)    Direta: Por ex: a criança compreende que vela queima o dedo porque coloca o dedo na chama;
b)    Mediada: A informação do outro que a vela queima já transmite o significado de queimar, de fogo. Ou em uma segunda experiência, a criança, ao chegar perto do fogo vai afastar o dedo porque vai lembrar  da experiência passada, a dor, ou seja, é mediada pela experiência anterior.
*      Grande parte da experiência dos homens é mediada, não precisamos viver tudo para aprender.
3.  Pensamento e Linguagem
Na ausência de um sistema de signos, somente um tipo primitivo de comunicação torna-se possível.
- Animal - não informa o que viu, não comunica, mas contagia o outro animal com seu medo.
- Humano – a língua, a fala, o discurso – o principal instrumento de representação simbólica. Não é linguagem para Vygostisky, mas a língua, porque não é de qualquer linguagem que ele fala, com a linguagem da dança, dos gestos, etc.
Signos – são construídos culturalmente. O principal lugar cultural onde isso acontece é na língua, ela é o principal instrumento de representação simbólica.
3.1 Linguagem
Duas funções básicas da linguagem:
a) Comunicação – Também presente nos animais. É assim que a linguagem também nasce para o ser humano, como forma de comunicação;
b) Pensamento generalizante – aparece mais tarde no desenvolvimento humano - onde a língua encaixa com o pensamento – o uso da linguagem implica uma compreensão generalizada do mundo. Ao nomear alguma coisa já estou realizando um ato de generalização. Ex: Se nomeio de cachorro, coloco os outros cachorros na mesma categoria e também distingo os cachorros dos outros que não são cachorros. Uma palavra já serve para classificar o mundo em 2 categorias. (Cachorro e não cachorro, copo e não copo, etc.). O ato de nomear é um ato de classificar.
Somos capazes de abstrair, generalizar, classificar porque dispomos de um sistema simbólico articulado, compartilhado, organizado por regras que nenhuma outra espécie animal possui.


Sistema Simbólico Compartilhado


- abstrair

- generalizar   ------ 
- classificar







O significado de uma palavra representa um amalgama tão estreito do pensamento e linguagem que fica difícil dizer que se se trata de um fenômeno da fala ou do pensamento. Do ponto de vista da psicologia o significado de cada palavra é uma generalização ou um conceito. Como as generalizações o os conceitos são atos de pensamentos; podemos pensar o significado como um fenômeno do pensamento.
Para Vygotisky a relação entre pensamento e linguagem é muito forte e muito tipicamente humana e muito importante para o que é o funcionamento psicológico humano. Essa relação não nasce com o sujeito, é desenvolvida ao longo do desenvolvimento psicológico, tanto na historia da espécie, na filogênese, quanto na historia do individuo, na ontogênese.
1°) Primeiro existe linguagem (comunicação) e pensamento separados em todas as espécies animais. Gestos, sons, expressão faciais e primórdios de pensamento são chamados na psicologia de Inteligência Pratica. Resolvemos, nesse período, problemas a partir do contexto perceptual próximo (Ex: macaco-pega a banana se tiver uma vara no mesmo campo visual). Este é um plano concreto, sem mediação simbólica - ocorre também no bebê (Ex: pega um banquinho para alcançar um brinquedo). Nesse momento tem primórdio de pensamento, que é chamado na psicologia de inteligência prática e a função comunicacional da linguagem.
2°) Mais tarde pensamento e linguagem se unem e irão representar uma parte substancial do funcionamento psicológico humano. Passam a funcionar em plano simbólico e a Inteligência é abstrata. Passam a ser capaz de circular por momentos e espaços ausentes do espaço perceptual presente. Podemos ser capaz de imaginar, inventar, criar, recuperar coisas que aconteceram no passado. Passamos a ter uma inteligência, um pensamento de natureza simbólica. Isso é possibilitado pela linguagem. Inicialmente pela função generalizante da linguagem e também por várias outras características da linguagem. Por ex: o fato de termos verbos, presente, passado e futuro, permite que a gente transite pelo tempo em termos simbólicos; o fato de termos a negação possibilita que concebemos o não, a inexistência, o zero, a ausência.
A relação entre pensamento e a palavra é um movimento contínuo de vai-e-vem do pensamento para a palavra e vice-versa.  O pensamento não é simplesmente expresso em palavras, é por meio delas que ele passa a existir.
 A língua é uma coisa que está fora da pessoa inicialmente. A criança nasce num meio falante e ela vai se apropriar dessa língua ao longo do seu desenvolvimento, que acontece de fora para dentro. O primeiro uso da linguagem é o que ele chama de fala socializada. É a fala da criança com os outros, para o outros, só do lado de foras dela. Com uma função comunicativa inicial.
O ponto de chegada da língua, o mais desenvolvido de todos, é o chamado de discurso interior. É o fato de que a gente incorpora um sistema simbólico, no nosso aparato psicológico, e é capaz de ter internamente esse plano simbólico do funcionamento psicológico com o suporte da língua. Mas está dentro de mim, não preciso falar alto. Meu pensamento acontece apoiado nas palavras, nos conceito, mas eu não preciso externá-lo, ele funciona dentro da minha cabeça. Eu penso sozinho com o suporte das palavras, com o modo de pensar da minha língua, com as possibilidades de transito pelo mundo do simbólico que a minha língua me fornece, mas tudo isso dentro da minha cabeça.
Então, as coisas começam do lado de fora e acabam internalizadas.
 Vygotisky propõe também que entre o que acontece fora e dentro acontece um momento do desenvolvimento que é a fala egocêntrica. A criança por volta de três, quatro anos fala sozinha. Ela fala alto e não precisa de um interlocutor. Este fenômeno foi identificado por Piaget e Vygotisky se apropria da idéia mas o usa com outra concepção, porque Vygotisky trabalha as coisas de fora para dentro e Piaget de dentro para fora.
Piaget - existe fala egocêntrica, mas é um indicador que o desenvolvimento está saindo de dentro para fora.
Vygotsky – é exatamente o oposto – a existência da fala egocêntrica indica que ela esta sendo posta para dentro. O falar sozinho é como se ela estivesse usando um formato ainda socializado da língua, que é falar alto, mas com uma função já do discurso interior que é a fala para mim. Aparece muito quando ela está em dificuldade cognitiva, o que evidencia que a linguagem é um instrumento de pensamento. Ela usa a língua para ajudar a resolver problemas.

A RITALINA E OS RISCO DE UM 'GENOCÍDIO FUTURO'

A ritalina e os riscos de
um 'genocídio do futuro'


Para uns, ela é uma droga perversa. Para outros, a 'tábua de salvação'. Trata-se da ritalina, o metilfenidato, da família das anfetaminas, prescrita para adultos e crianças portadores de transtorno de deficit de atenção e hiperatividade (TDAH). Teria o objetivo de melhorar a concentração, diminuir o cansaço e acumular mais informação em menos tempo. Esse fármaco desapareceu das prateleiras brasileiras há poucos meses (e já começou a voltar), trazendo instabilidade principalmente aos pais, pela incerteza do consumo pelos filhos. Ocorre que essa droga pode trazer dependência química, pois tem o mesmo mecanismo de ação da cocaína, sendo classificada pela Drug Enforcement Administration como um narcótico. No caso de consumo pela criança, que tem seu organismo ainda em fase de formação, a ritalina vem sendo indicada de maneira indiscriminada, sem o devido rigor no diagnóstico. Tanto que, no momento, o país se desponta na segunda posição mundial de consumo da droga, figurando apenas atrás dos Estados Unidos. Como acontece com boa parte dos medicamentos da família das anfetaminas, a ritalina 'chafurda' a ilegalidade, com jovens procurando a euforia química e o emagrecimento sem dispor de receita médica. Fala-se muito que, se não fizer o tratamento com a ritalina, o paciente se tornará um delinquente. "Mas nenhum dado permite dizer isso. Então não tem comprovação de que funciona. Ao contrário: não funciona", critica a pediatra Maria Aparecida Affonso Moysés, professora titular do Departamento de Pediatria da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp. “A gente corre o risco de fazer um genocídio do futuro. Mais vale a orientação familiar”, encoraja a pediatra, que concedeu entrevista, a seguir, ao Portal Unicamp.
Portal Unicamp – Há pouco tempo, faltou distribuição de ritalina no mercado brasileiro. Como essa lacuna foi sentida?
Cida Moysés – Não sabemos verdadeiramente o motivo de faltar o medicamento, mas isso criou uma instabilidade nas pessoas. As famílias ficaram muito preocupadas e entraram em pânico, com medo de que os filhos ficassem sem esse fornecimento. Isso foi sentido de um modo muito mais intenso do que com outros medicamentos que de fato demonstram que sua interrupção seria mais complicada que a ritalina. São os casos dos medicamentos para diabetes ou hipertensão. Apesar de não conhecermos a razão dessa falta do medicamento, sabemos das estratégias de mercado para outros produtos como o açúcar e o café que faltam no supermercado e, por isso, também para os medicamentos que faltam na farmácia. Quando somem das prateleiras, eles criam angústia. No entanto, em geral, retornam mais tarde. E mais caros, é óbvio.
Portal Unicamp – O que é a ritalina? Como ela age?
Cida Moysés – A ritalina, assim como o concerta (que tem a mesma substância da ritalina – o metilfenidato, é um estimulante do sistema nervoso central - SNC), tem o mesmo mecanismo de ação das anfetaminas e da cocaína, bem como de qualquer outro estimulante. Ela aumenta a concentração de dopaminas (neurotransmissor associado ao prazer) nas sinapses, mas não em níveis fisiológicos. É certo que os prazeres da vida também fazem elevar um pouco a dopamina, porém durante um pequeno período de tempo. Contudo, o metilfenidato aumenta muito mais. Assim, os prazeres da vida não conseguem competir com essa elevação. A única coisa que dá prazer, que acalma, é mais um outro comprimido de metilfenidato, de anfetamina. Esse é o mecanismo clássico da dependência química. É também o que faz a cocaína.
Portal Unicamp – Quando a ritalina é indicada?
Cida Moysés – Para quem indica, é nos casos com diagnóstico de TDAH. Eu não indico. Para esses médicos, entendo que é necessário traçar uma relação custo-benefício: quanto ganho com esse tratamento em termos de vantagens e de desvantagens. Sabe-se que é uma droga que possui inúmeras reações adversas, como qualquer droga psicoativa. Considero extremamente complicado usar uma droga com essas reações para melhorar o comportamento de uma criança. Qual é o preço disso?

Portal Unicamp – Quais são os sintomas principais?
Cida Moysés – As reações adversas estão em todo o organismo e, no sistema nervoso central então, são inúmeras. Isso é mencionado em qualquer livro de Farmacologia. A lista de sintomas é enorme. Se a criança já desenvolveu dependência química, ela pode enfrentar a crise de abstinência. Também pode apresentar surtos de insônia, sonolência, piora na atenção e na cognição, surtos psicóticos, alucinações e correm o risco de cometer até o suicídio. São dados registrados no Food and Drug Administration (FDA). São relatos espontâneos feitos por médicos. Não é algo desprezível. Além disso, aparecem outros sintomas como cefaleia, tontura e efeito zombie like, em que a pessoa fica quimicamente contida em si mesma.
Portal Unicamp – Não é pouca coisa...
Cida Moysés – Ocorre que isso não é efeito terapêutico. É reação adversa, sinal de toxicidade. Além disso, no sistema cardiovascular é possível ter hipertensão, taquicardia, arritmia e até parada cardíaca. No sistema gastrointestinal, quem já tomou remédio para emagrecer conhece bem essas reações: boca seca, falta de apetite, dor no estômago. A droga interfere em todo o sistema endócrino, que interfere na hipófise. Altera a secreção de hormônios sexuais e diminui a secreção do hormônio de crescimento. Logo, as crianças ficam mais baixas e também essa droga age no peso. Verificando tudo isso, a relação de custo-benefício não vale a pena. Não indico metilfenidato para as crianças. Se não indico para um neto, uma criança da família, não indico para uma outra criança.
Portal Unicamp – Criança não comportada é um problema social?
Cida Moysés – Está se tornando. E não vai se resolver colocando um diagnóstico de uma doença neurológica ou neuropsiquiátrica e administrando um psicotrópico para uma criança.

Portal Unicamp – Qual seria o tratamento então?
Cida Moysés – Um levantamento de 2011, publicado pelo equivalente ao Ministério da Saúde nos Estados Unidos, envolve uma pesquisa feita pelo Centro de Medicina baseado em Evidências da Universidade de McMaster, no Canadá, que analisou todas as publicações de 1980 a 2010 sobre o tratamento de TDAH. O primeiro dado interessante foi que, dos dez mil trabalhos que provaram que o metilfenidato funciona, é seguro, apenas 12 foram considerados publicações científicas. Todo o resto foi descartado por não preencher os critérios de cientificidade. Esse é um aspecto muito importante. Dos 12 trabalhos restantes, o que eles encontraram foi que a orientação familiar tem alta evidência de bons resultados, e o medicamento tem baixa evidência. Isso não quer dizer que a família seja culpada. É preciso orientá-la como lidar com essa criança. Além disso, os dados dessa pesquisa sobre rendimento escolar foram inconclusivos, assim como não há nenhum dado que permita dizer que melhora o prognóstico em longo prazo. Fala-se muito que, se a criança não for tratada, vai se tornar uma dependente química ou delinquente. Nenhum dado permite dizer isso. Então não tem comprovação de que funciona. Ao contrário: não funciona. E o que está acontecendo é que o diagnóstico de TDAH está sendo feito em uma porcentagem muito grande de crianças, de forma indiscriminada.
Portal Unicamp – Dê um exemplo.
Cida Moysés – Quando se fala em 5% a 10% de pessoas com determinado problema, o conhecimento médico exige que se assuma que isso é um produto social, e não uma doença inata, neurológica, como seria o TDAH, e muito menos genética. Não dá para pensar em porcentagens. Em Medicina, sobre doenças desse tipo fala-se em 1 para 100 mil ou em 1 para 1 milhão. Então, é algo socialmente que vem se produzindo. Quando digo isso, de novo, não estou dizendo que a família é a culpada. Pelo contrário, é um modo de viver que estamos produzindo.
Portal Unicamp – Quem está sendo medicado?
Cida Moysés – São as crianças questionadoras (que não se submetem facilmente às regras) e aquelas que sonham, têm fantasias, utopias e que ‘viajam’. Com isso, o que está se abortando? São os questionamentos e as utopias. Só vivemos hoje num mundo diferente de 1.000 anos atrás porque muita gente questionou, sonhou e lutou por um mundo diferente e pelas utopias. Quando impedimos isso quimicamente, segundo a frase de um psiquiatra uruguaio, “a gente corre o risco de estar fazendo um genocídio do futuro”.  Estamos dificultando, senão impedindo, a construção de futuros diferentes e mundos diferentes. E isso é terrível.

Portal Unicamp – Na França, o TDAH é praticamente zero. A que se deve isso?
Cida Moysés – Isso se deve a valores culturais, fundamentalmente.
Portal Unicamp – Isso em países desenvolvidos?
Cida Moysés – Não necessariamente. Ninguém pode dizer que os EUA não sejam desenvolvidos. Não obstante, o país é o primeiro grande consumidor mundial da ritalina, da onde irradia tudo. O Brasil vem logo em seguida, como segundo consumidor mundial. Ao contrário do que se propaga, de que a taxa de prevalência é a mesma em todos os lugares, isso não é verdade. Varia de 0,1% a 20%, conforme o estudo da Universidade McMaster do Canadá. Varia de acordo com valores culturais, região geográfica, época e conforme o profissional que está avaliando. Há trabalhos que mostram, por exemplo, que médicas diagnosticam mais TDAH em meninos e que médicos mais em meninas, provavelmente por uma falta de identificação. Alguns trabalhos mostram que crianças pobres têm mais chances de receber o diagnóstico. Estamos falando de uma Era dos Transtornos – uma epidemia dos diagnósticos. A França tem uma resistência muito grande a isso por uma questão de formação de médicos, de valores da sociedade. Lá eles têm um movimento muito grande desencadeado por médicos, muitos deles psiquiatras, que se chama collectif pas de 0 de conduite. Esse movimento surgiu como reação à lei que propunha avaliar o comportamento de todas as crianças até três anos de idade. Era um modelo que pegava especificamente pobres e imigrantes. O movimento conseguiu derrubar tal lei.
Portal Unicamp – Existe no Brasil alternativa diferente da medicalização, da visão organicista?
Cida Moysés – Temos uma articulação mais recente que é o Fórum sobre Medicalização da Educação e da Sociedade, o qual eu e o Departamento de Pediatria da FCM-Unicamp integramos. O nosso Departamento é o seu membro fundador, tendo mais de 40 entidades acadêmicas profissionais e mais de 3.000 pessoas físicas no Brasil, que estão buscando difundir as críticas que existem na literatura científica sobre isso. Além do mais, procuramos construir outros modos de acolher e de atender as necessidades das famílias dos jovens que vivenciam e sofrem com esses processos de medicalização. Em novembro, a Unicamp promoverá um Fórum Permanente sobre Medicalização da Vida, que irá abordar essas questões de medicalização e de patologização da vida. Todos estão convidados.