segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

“DSM IV: O “Mr Donald s” da Psiquiatria” - Antônio Beneti


“DSM IV: O “Mr Donald s” da Psiquiatria”

( ou O SINTOMA : A GLOBALIZAÇÃO, A PSIQUIATRIA E A PSICANÁLISE)
 
Antônio Beneti

                                              

1)    COMO SE PSIQUIATRIZA HOJE?

 
     Talvez  pudéssemos responder, sem grandes margens de erro – malgrado uma ênfase caricatural colocada nesse texto, da realidade da assistência psiquiátrica hoje – que para os psicóticos dão-se butirofenonas e fenotiazínicos; para os deprimidos dão-se antidepressivos e, para os ansiosos e/ou fóbicos dão-se ansiolíticos e/ou antidepressivos, mesmo com algumas variáveis nos três grupos farmacológicos.

     Pronto! Tratamos tudo.

 
2)    COMO SE PSIQUIATRIZAVA ANTIGAMENTE?
 

         Não tão velho assim lembro-me bem de que há pelo menos 25 anos as coisas aí eram diferentes. Lembro-me bem das entrevistas e exames dos pacientes nas enfermarias quando meu preceptor do curso de especialização em psiquiatria dedicava-se à clínica diferencial entre paranóia e parafrenia, entre hebrefenia e debilidade mental, entre histeria e esquizofrenia, entre depressão neurótica e depressão psicótica, entre melancolia e depressão psicótica, entre depressão reativa e depressão num quadro orgânico, etc..

        Debruçava-me então, sobre os grandes tratados de psiquiatria de Bleuler, Kraepelin, Kurt Schneider, Kretschmer, Karl Jaspers, Henri Ey, etc.

        As entidades clínicas eram minuciosas e criteriosamente diagnosticadas à partir de toda uma referência à psicopatologia fenomenólogica. No Brasil, seguramente na formação do psiquiatra a escola alemã de psiquiatria é predominante.

        Então, escutemos bem: o significante diferencial – diferença – dava o prumo, vetorizava toda uma orientação clínica quanto ao diagnóstico e a terapêutica.  Na época, jamais uma depressão neurótica era tratada com eletrochoque ou antidepressivos. A orientação era: “para os neuróticos ansiosos ou deprimidos, em crise ou não a indicação é psicoterapia. Só em situações extremamente graves vocês dêem ansiolíticos”.

        Ou seja, para os neuróticos a proposta era de uma experiência de tratamento pela palavra. Não importava, no caso, se era uma orientação analítica ou não. Privilegiava-se a palavra, sabia-se que as coisas teriam que partir daí e se decidirem nesse campo. Estava em jogo a história de cada um.

        Havia algo mais além do biológico, de um corpo doente ou doente-corpo a ser investigado ao nível de seus sintomas e a se ter como ponto de aplicação: buscava-se escutar algo de relação do paciente com sua família, com os amigos, com o Social... Tinha uma história em jogo mais além dos sintomas observáveis pelo relato ou, evidenciáveis ao olhar, na atitude e comportamento do paciente. Antecipemos aqui o que não sabíamos então: o sujeito do inconsciente no doente.

      
     Poderíamos dizer de uma clínica da escuta do singular, no que se refere a esse sujeito, numa clínica do olhar?   

Passando pelos clássicos da psiquiatria francesa e alemã teremos o estabelecimento de uma clínica psiquiátrica que encontrará como sua herdeira a clínica psicanalítica.

      Onde tivemos então, nesse percurso uma clínica do particular onde se deu a passagem das síndromes, das “fachadas psíquicas” para as entidades nosológicas. O que temos hoje na clínica psiquiátrica?

Voltemos ao nosso primeiro ítem:

“Como se psiquiatriza hoje?”

       Teríamos hoje um desaparecimento da clínica psiquiátrica com a exclusão da dimensão do enigma dos fenômenos clínicos, das particularidades de cada doente e o desaparecimento das entidades clínicas em prol de síndromes chamadas “transtornos” ?

      Torna-se necessário tornarmos como paradigma da psiquiatria de hoje a dita psiquiatria biológica.

        
3)    A psiquiatria biológica, os psicofármacos e o DSM-IV.

   O DSM IV, guia/código de classificação das doenças no campo da psiquiatria, estabelecido pelos norte-americanos, pela psiquiatria dos E.U.A é o paradigma, no campo “psi” do que chamamos globalização, a “bússola”dos psiquiatras ditos “biológicos”.

   Com o advento dos psicofármacos e os recentes avanços da neuroquímica cerebral o discurso da ciência estrutura e sustenta solidamente a prática psiquiátrica hoje. E com o DSM-IV, um catálogo de sintomas e síndromes ditos estados e/ou transtornos agudos ou crônicos pretensamente universais, de uso universalizado, transforma o paciente num objeto totalmente qualificável e mensurável suporte de próteses químicas corretivas, ortopédicas, quando algum “defeito” se apresenta visível ao nível de sua aparência ou comportamento, movimentação, diante dos outros. Aí qualquer simples consideração da função de tais estados da neurose e na psicose não encontra lugar. O “deprimido” tal qual um triste “borderline” vem por sua vez confortar a ilusão de uma comunidade de sujeitos agrupados por um mesmo sintoma eliminadas todas considerações relativas à etiologia, endógena ou exógena, reativa ou não ( S. Cottet – “A bela inércia”- in Transcrição – Rev. da  Clínica Freudiana – Bahia)

  Assim, nesse discurso, o psiquiatra, na posição de agente, representado pelos psicofármacos, aí colocados enquanto um “Saber-pronto-para-uso” a ser aplicado sobre o outro, o paciente, enquanto “objeto-corpo-biológico” forclui totalmente  a palavra, a fala, e consequentemente a possibilidade de emergência dos significantes que representam o sujeito do inconsciente, na singularidade de cada um e consequentemente qualquer clínica diferencial não quantitativa.

  
Psicofármacos                                       paciente

                                     S2                                                            a



   Longe de ir contra os avanços da neuroquímica cerebral e o conseqüente uso de psicofármacos em determinadas situações o interessa aqui, enquanto algo a ser criticado, é a posição do psiquiatra diante da fala do paciente, com total exclusão do sujeito do inconsciente. Ou seja, seria a mesma coisa um paciente deprimido ser medicado por um psiquiatra sem escuta analítica ou por um psiquiatra com escuta analítica?

   É nesse contexto que a depressão neurótica e psicótica tidas classicamente como entidades clínicas distintas perdem esse estatuto em prol de síndromes classificadas enquanto estados ou transtornos do humor, depressivos, mensuráveis por sua intensidade e duração. Não interessa a origem das mesmas. Se para o psicanalista a depressão não se constitui enquanto uma estrutura clínica isolada e ( nem um estado) sim numa posição do sujeito na sua relação com o Outro isto não o exime de buscar em cada um os acontecimentos que determinaram esse mal estar e sofrimento seja na estrutura neurótica ou na psicótica. E , sempre encontrará algo determinante sempre inserido na história do sujeito em sua relação com o Outro do significante e da Lei. Ou seja, no universal da depressão  torna-se necessário incluir aí um “menos um” da singularidade, da particularidade da história de cada sujeito ( vale o mesmo para as impotências eretivas penianas( as impotências sexuais masculinas) onde a ciência alardeia agora a cura “para-todos-os-casos” com o Viagra( medicamento recém lançado nos EUA)).
 
                                                                               (U)

                                                           Universal


                               Matema da psiquiatria biológica


Matema da globalização e da globalização do sintoma(DSM IV)

  
Não é o que ocorre na psiquiatria hoje.

   Verdadeiro ”esperanto” psiquiátrico a linguagem psiquiátrica biológica universaliza os deprimidos de quaisquer nomes, raças, credos,territórios e contextos. Dentro de um “não-quero-saber-nada-além-de-um-quantum-depressivo” o psiquiatra biológico consulta seu catálogo e se guia na sua receita cuidando para “não errar a mão no tempero” de tal forma que o “sabor” seja reconhecido em qualquer lugar do planeta terra por todos e por qualquer um tal como um sanduíche “Mc. Donald’s “capitalista ou comunista, dos EUA ou da Rússia. Tanto faz! É a mesma droga em todos os lugares!

   Mas, esquecem-se esses aficcionados, que alguém pode preferir o sanduíche “fora- de- série” do botequim da esquina feito sem receita universal, “com o tempero do cliente”que participa com sua fala na elaboração do mesmo.

   Oriundos da formação psiquiátrica clássica e com orientação psicanalítica a partir do ensino de Lacan não se pode esquecer ou forcluir um princípio básico do que se resolveu chamar “Moral lacaniana”: “tem um sujeito no doente! “.

   O que poderia determinar, se levado em consideração , por alguns psiquiatras o esforço de construção de “uma outra clínica psiquiátrica” calcada nesse princípio ético que a moral lacaniana aponta e onde teríamos o matema da clínica a norteá-la:

 

( U-1)

Matema da clínica

                                  Matema da clínica psicanalítica

 

   Por outro lado, é com esse matema norteador da clínica psicanalítica que o psicanalista deverá se sustentar no seu discurso em oposição ao discurso da globalização, aqui, do sintoma, e que pretende escrever o sintoma, ao mesmo tempo designado o sujeito, com apenas um significante: um S1.


Ou seja, o sujeito passa a ser designado – e , não mais representado por um significante – pelo significante do seu sintoma.

Assim, teríamos no discurso da globalização um: “você é deprimido!”, “você é anorética!”, “você é toxicômano!”, “você é impotente...””você é um S1”.

Ao que o psicanalista deveria responder com o seu matema desdobrando o –1( menos um) no matema correspondente à posição do sujeito em relação à falta no campo do Outro, à castração, visando a determinação da estrutura( neurótica, psicótica ou perversa) recoberta pelo S1.

Teríamos, então, por exemplo, a Síndrome do pânico:

 

Síndrome do Pânico= U= Universal = sintoma globalizado =S1


Menos Um= -1= singular = sujeito nas estruturas = obsessivo, histérico, perverso, fóbico ou psicótico = fantasma ( S    a) ou Oo.

 Isso, sem nos determos, ainda, em uma “clínica das suplências”.  

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